Por LUSA
Os apelos e reparos do Presidente cabo-verdiano dirigidos ao Governo marcaram a atividade política em 2023 com José Maria Neves a pedir maior articulação política, acusando o Governo de agir sozinho e de se abeirar da “deslealdade constitucional”.
O termo surgiu depois de um desacordo em particular: o Presidente acentuou as palavras de descontentamento quando Cabo Verde de absteve na votação nas Nações Unidas que, em outubro, por larga maioria, pediu a abertura de corredores humanitários no conflito entre Israel e o Hamas.
José Maria Neves considerou que, por razões humanitárias, a nação cabo-verdiana não se podia abster, enquanto o Governo se justificou com o silêncio da resolução sobre os atos terroristas do Hamas.
Neste, como noutros momentos de crítica do Presidente (eleito com apoio do PAICV – Partido Africano para a Independência de Cabo Verde), o Governo (do MpD – Movimento pela Democracia) argumentou que agiu de forma legítima e respeitando o enquadramento constitucional.
As relações refletem o tom crispado que, ao longo dos anos, vem caracterizando qualquer discussão política em Cabo Verde e que inclui o parlamento: em outubro, a maioria do MpD “chumbou” uma proposta apresentada pelo PAICV acerca das comemorações do centenário do nascimento de Amílcar Cabral, obreiro da independência.
O MpD alegou que era uma questão de forma (devido ao enquadramento legal da proposta), mas o desentendimento criou uma onda de discussão que continua em movimento, com uma petição em curso a reclamar a realização de uma cerimónia oficial.
A emigração foi, mais uma vez, um tema presente em 2023.
Os números de emissão de vistos confirmam uma tendência de crescimento: Portugal mais que quadruplicou a emissão de entradas a cabo-verdianos para fins laborais, ultrapassando seis mil (metade dos cerca de 12.000 vistos de longa duração concedidos).
No que diz respeito aos vistos Schengen, o Centro Comum de Vistos (CCV) está a receber cerca de 100 pedidos por dia e deverá bater o total de 2022, superando 12.000 vistos de curta duração.
Pelo meio, tem sido muito criticado o “açambarcamento” de vagas para pedidos de vistos por parte de empresas e particulares, que depois chegam a cobrar mais de 180 euros a particulares, num serviço que devia ser gratuito.
O caso motivou reações do Governo cabo-verdiano, a condenar e a pedir investigações, enquanto a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que está a analisar as denúncias.
Em julho, a Embaixada de Portugal em Cabo Verde introduziu o pré-pagamento de uma taxa de serviço no ato de agendamento de pedidos de visto nacionais, para evitar açambarcamento por terceiros.
Ainda no que respeita a migrações, uma piroga com migrantes à deriva, resgatada em agosto, em águas de Cabo Verde, foi uma das tragédias humanas do ano, porque partiram 101 pessoas do Senegal e só 38 foram salvas.
A embarcação só foi resgatada graças a um barco de pesca espanhol, revelando, mais uma vez, a falta de meios das autoridades de Cabo Verde para vigiar as suas águas – que constituem a quase totalidade do território do arquipélago.
A situação engrossou os argumentos para que, este ano, ganhasse corpo a preparação de uma ajuda do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz para reforçar a vigilância marítima de Cabo Verde, auxílio que deverá concretizar-se em 2024, podendo incluir as componentes de equipamento e formação.
Uma das bandeiras do Governo é criar emprego para fixar população, enquanto a economia regressou ao seu ritmo natural no pós-pandemia, com previsões de crescimento entre 4% a 5% para 2023.
Um dos estímulos para a atividade económica, em particular para o turismo – o seu principal motor – assenta num negócio confirmado este ano: a entrega definitiva da concessão do serviço público aeroportuário ao grupo Vinci.
O objetivo é “expandir e modernizar” os quatro aeroportos internacionais e três aeródromos do país com um investimento de 928 milhões de euros durante 40 anos.
As novas tecnologias são outro sector onde se concentra a aposta do Governo, que deverá inaugurar em breve o parque tecnológico em construção nas imediações da capital: a materialização do objetivo de transformar Cabo Verde numa nação digital.