Por LUSA
O sindicato dos magistrados judiciais de São Tomé e Príncipe considera que a invasão do Ministério Público por bombeiros, para libertarem à força dois colegas detidos, revela a vulnerabilidade do sistema judiciário e criticou a falta de responsabilização dessas forças.
Um grupo de bombeiros são-tomenses invadiu o Ministério Público na passada quarta-feira, e forçou a libertação de dois elementos da corporação detidos sob suspeita de homicídio.
Em comunicado, a Associação Sindical dos Magistrados Judiciais (Assimajus) refere que a ação dos bombeiros “veio apenas demonstrar o quão vulnerável está o sistema judiciário e o perigo que se tem evidenciado ao longo dos tempos, onde não existe um plano de recrutamento baseado no mérito, formação, capacitação e responsabilização dos agentes das forças”.
“Pelo contrário, o que se tem visto é um movimento de valorização das forças”, sem no entanto as formar, capacitar e informar “sobre as suas competências, os seus deveres” e sobre “quando estão habilitados a agirem”, como se lê no comunicado da Assimajus enviado à agência Lusa.
Neste sentido esta associação sindical considera que “urge que se capacite as forças do país de forma a fazer-lhes perceber que num Estado de Direito Democrático cada instituição do Estado tem a sua função e que cada instituição deve respeitar as competências alheias, sob pena de usurpação de competências”.
“É necessário de uma vez por todas que as forças de São Tomé e Príncipe percebam que não estão acima de tudo e de todos. É também crucial que se crie mecanismos de responsabilização efetiva dos agentes infratores”, sublinha a associação dos juízes.
Na quinta-feira, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público explicou, em comunicado, que os acontecimentos da véspera tinham ocorrido no âmbito “de informações da Polícia Judiciária sobre sevícias, espancamento e morte de uma cidadã são-tomense nas imediações das instalações do Comando de Bombeiros”.
“Após a recolha de elementos” que indiciavam “o envolvimento de alguns agentes do corpo de bombeiros” naqueles autos “foram emitidos mandados de busca e apreensão às instalações” do Comando de Bombeiros e a detenção de dois dos seus elementos, indicava o sindicato.
Na deslocação ao comando dos bombeiros, a equipa composta por magistrado e funcionários do Ministério Público, inspetores da Polícia Judiciária e agentes da Polícia Nacional, deparou-se “com resistência da parte de altos responsáveis e agentes de bombeiros”, num grupo “de 30 a 40 pessoas”, resistência essa acompanhada de “comportamentos e dizeres no sentido de intimidar e dissuadir a equipa judiciária do cumprimento dos mandados”.
Feitas as detenções, cerca de duas dezenas de bombeiros dirigiram-se depois à Procuradoria da República de São Tomé, em camiões e ambulâncias com sirenes ativadas e buzinas, e “retiraram os dois detidos que se encontravam sob a custódia do Ministério Público”.
“Cerca de uma hora depois”, ainda segundo o relato dos magistrados, estes dois detidos foram devolvidos “voluntariamente” ao Ministério Público.
A associação de juízes manifesta “total repugnância contra este ato completamente inadmissível num Estado de Direito Democrático, perpetrado por agentes que supostamente devem manter a paz social”.
Os juízes sublinham igualmente que “o Ministério Público é uma instituição essencial ao Estado de Direito Democrático, tendo como uma das suas funções a promoção da responsabilidade dos infratores criminais junto do poder judiciário”, e que para desempenharem esta função com independência “é necessário que os poderes estejam repartidos e balizados para que os seus agentes possam desencadear diligências que acharem necessárias no âmbito de uma investigação, sem haver ingerência de nenhuma outra força”.
Os juízes exortam ainda a que, “após a conclusão do inquérito, os infratores possam ser devidamente responsabilizados, para que situações similares não voltem a acontecer”.
Na sequência da invasão do Ministério Público, o Governo são-tomense demitiu na quinta-feira o comandante geral dos bombeiros e o seu adjunto, e ordenou uma comissão de inquérito independente para “apurar os factos” assim como “as devidas responsabilidades dos envolvidos”, no prazo de 15 dias.