Por LUSA
Fotografias e vídeos de raparigas da vila são-tomense de Santana vão passar a integrar o espólio de um dos maiores bancos de imagens do mundo numa iniciativa para promover a representatividade das surfistas negras.
A iniciativa resulta de uma parceria entre a organização não-governamental Surfistas Orgulhosas na Mulher d’África (SOMA), com sede em Cascais, da plataforma de apostas ‘online’ Betclic Portugal e do banco mundial de imagens norte-americano Shutterstock.
O projeto vai colocar 120 fotografias e 30 vídeos de raparigas surfistas de Santana, capital do distrito de Cantagalo, em São Tomé e Príncipe, no site do Shutterstock, que conta com mais de 400 milhões de imagens.
A ideia surgiu durante o processo de criação de um filme para angariar donativos para a SOMA, quando se percebeu que não existiam imagens de surfistas negras nos principais bancos de imagens mundiais.
“É preciso dinheiro para fazer surf e para entrar nos campeonatos. É um bocadinho um desporto de privilegiados e não há representatividade de surfistas negras”, disse à agência Lusa Ricardo Malaquias, gestor de projetos da Betclic Portugal, que desafiou a Shutterstock a juntar-se à iniciativa.
O projeto inclui ainda um documentário, filmado pela Shutterstock e disponível a partir de hoje no YouTube, sobre o trabalho da SOMA que, há quatro anos, trouxe para a pequena localidade são-tomense o seu programa de terapia através do surf.
O filme “Surfing Through the Odds|The SOMA surf Story” (https://m.youtube.com/watch?v=PTymOYvMQE) resume em pouco mais de 18 minutos a realidade das raparigas de Santana, que encontra paralelo em muitas outras localidades de São Tomé e Príncipe e de África.
Sobrecarregadas desde cedo pelas tarefas domésticas, em risco de abandono escolar e de gravidez precoce e frequentemente vítimas de maus-tratos físicos e psicológicos, o filme quer reforçar a mensagem de que o lugar das mulheres não é na cozinha ou a cuidar da casa e dos homens, mas onde elas quiserem, incluindo no surf.
Filmado em junho, o documentário foi apresentado em ante-estreia, na semana passada, no Centro Social de Santana e recebido com entusiasmo pelas raparigas, que enchiam grande parte da sala.
Zézinha, 19 anos, uma das protagonistas do documentário, chegou para a estreia de balde à cabeça, aproveitando para vender bolachas de coco que são a base do sustento de uma família com um pai ausente e a mãe, com 73 anos, que não pode trabalhar devido a uma deficiência.
“O surf ensinou-me a acreditar que tudo é possível. Quando fico na água ou a olhar o mar, só penso em mim. Quando estou no surf, todos os problemas ficam em casa, quando volto os problemas também voltam”, contou à Lusa, antes de regressar a casa para cozer nova fornada de bolachas que haverá de vender no dia seguinte.
Francisca Sequeira, fundadora da SOMA, sublinhou, no final da projeção, a importância do papel pioneiro destas raparigas na representação das mulheres negras no surf e na inspiração de outras mulheres a surfarem.
“Vocês são a primeira geração de mulheres são-tomenses a surfar. Devem estar muito orgulhosas por continuar a surfar, apesar das ondas difíceis no mar e na vida”, disse.
O documentário, que será apresentado num evento hoje em Lisboa, seguirá para um circuito de festivais de cinema de surf, começando pelo Surf at Lisbon Film Fest, no início de novembro, rumando depois a Londres, Estados Unidos e Austrália.
O público-alvo deste projeto são potenciais doadores, marcas que compram imagens nos bancos de imagens e os meios de comunicação social e a ideia é criar uma procura por imagens de surfistas negras, até agora inexistente.
“Todas as compras destas imagens revertem para a SOMA. Estamos a criar quase um modelo de negócio para se irem autossustentando. Agora é preciso criar a necessidade de a empresa x ou y, quando quiser a imagem de uma surfista, poder usar estas” em vez do estereotipo do surfista californiano, explicou Miguel Domingues, da Betclic Portugal.