Por LUSA/RTP
O centro de Maputo voltou hoje a acordar deserto, sem transportes públicos a funcionar, num clima de tensão social após o anúncio dos resultados das eleições gerais moçambicanas, com enormes filas nos poucos estabelecimentos de portas abertas.
Numa ronda pela cidade é possível constatar que a generalidade das instituições, bancos, empresas, comércios e restaurantes estão fechados e nos raros pequenos supermercados abertos avolumam-se filas de dezenas de pessoas no exterior, a aguardar vaga para entrar.
O mesmo se passa para abastecimento de combustíveis, com os poucos postos a funcionar a acumular enormes filas na entrada, de dezenas de viaturas paradas na rua, enquanto multidões, a pé, se avolumam no mesmo espaço para tentar encher pequenos depósitos e garrafões com gasolina e gasóleo.
Moçambique vive o quarto dia de tensão social na sequência do anúncio dos resultados finais das eleições gerais, marcados nos anteriores por saques, vandalizações e barricadas, nomeadamente em Maputo, em que morreram pelo menos 56 pessoas, nos dias 23 e 24 de dezembro.
O Conselho Constitucional de Moçambique proclamou na tarde de segunda-feira Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar, nas eleições gerais de 09 de outubro.
Este anúncio provocou o caos em todo o país, com manifestantes pró-Venâncio Mondlane – que segundo o Conselho Constitucional obteve apenas 24% dos votos – nas ruas, barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar a desmobilização.
Pelo menos 1.534 reclusos evadiram-se na tarde de quarta-feira da Cadeia Central de Maputo, de máxima segurança, disse o comandante-geral da polícia, afirmando tratar-se de uma ação “premeditada” e da responsabilidade de manifestantes pós-eleitorais em que morreram 33 pessoas.
“Esperamos nas próximas 48 horas uma subida vertiginosa de todo o tipo de criminalidade na cidade de Maputo”, afirmou Bernardino Rafael, em conferência de imprensa na noite de quarta-feira, garantindo que entre os reclusos em fuga, dos quais apenas 150 foram recapturados, estão 29 terroristas, alguns “altamente perigosos”.
Segundo o comandante-geral da polícia, a evasão da Cadeia Central de Maputo, na cidade da Matola, a 14 quilómetros do centro da capital moçambicana e que contava com cerca de 2.500 condenados e detidos, resultou da “agitação” de um “grupo de manifestantes subversivos” nas imediações.
“Esta confrontação resultou (em) 33 óbitos, na confrontação direta com os reclusos. Nas imediações da Cadeia Central 15 feridos”, avançou ainda, apelando à entrega voluntária dos reclusos em fuga e à informação da população sobre estes foragidos.
Contudo, antes desta conferência de imprensa, a ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, tinha garantido que esta fuga resultou de um motim no estabelecimento prisional e que não estava relacionada com os protestos pós-eleitorais.
Numa intervenção a partir da rede social Facebook, Venâncio Mondlane acusou hoje as autoridades de terem propositadamente deixado sair estes reclusos, com o objetivo de manipular as massas e desviar o foco da sociedade.
“Foi tudo propositado. São técnicas de manipulação de massas à moda dos serviços secretos soviéticos para que as pessoas parem de falar na fraude eleitoral. Querem desviar o nosso foco”, declarou Mondlane, acusando também as autoridades de terem “sacrificado” alguns dos reclusos evadidos.
Afirmou que as manifestações não vão parar, pedindo aos seus apoiantes que “intensifiquem” os protestos, evitando, no entanto, a destruição de bens públicos e privados: “O nosso foco não são os empresários e os seus estabelecimentos comerciais. O nosso foco são as instituições que fizeram esta fraude. É lá onde as manifestações devem ocorrer”.