Por LUSA
O Observatório do Meio Rural (OMR), organização não-governamental moçambicana, alerta que Moçambique continua a registar níveis críticos de desnutrição crónica e insegurança alimentar, apontando para consequências a longo prazo.
“Atualmente, Moçambique enfrenta uma situação paradoxal: apesar de ter disponibilidade alimentar global melhor do que em qualquer outro momento de sua história recente, continua a registar níveis críticos de desnutrição crónica e insegurança alimentar”, lê-se num relatório daquela ONG, a que a Lusa teve hoje acesso.
De acordo com a OMR, cerca de um terço da população moçambicana está subnutrida (29,5% em 2018-2020) e 37% das crianças sofrem de desnutrição crónica.
“A desnutrição aguda está em torno de 3-5% nas crianças, sugerindo que em tempos normais relativamente poucas passam fome severa, mas estas percentagens aumentam durante emergências”, avança.
Segundo a organização, a desnutrição crónica “acarreta consequências de longo prazo” para o país: “estima-se que até 10% do PIB (Produto Interno Bruto) seja perdido anualmente devido à redução de produtividade, desempenho escolar e gastos em saúde associados à subnutrição infantil”.
“No campo do saneamento, apesar de avanços, persistem lacunas que afetam a nutrição: somente cerca de 11% das zonas rurais tinham saneamento adequado em 2020, e a cobertura de água potável cobria cerca de 50% no meio rural (80% nas cidades)”, refere-se no documento.
A OMR explica ainda que doenças endémicas como a malária e surtos periódicos de cólera e outras infeções intestinais atingem principalmente comunidades com água não tratada em Moçambique.
“A situação atual caracteriza-se por melhor acesso alimentar médio, porém com persistência de focos de fome severa em eventos de choque e uma inaceitável manutenção da má nutrição crónica”, avança.
Entre as consequências desta problemática, a ONG aponta para crianças com desenvolvimento físico e cognitivo limitado, adultos menos produtivos e mais propensos a doenças, comunidades forçadas a estratégias de sobrevivência, “que perpetuam a pobreza”.
“Assim, Moçambique encontra-se num patamar em que deve evitar mortes por fome e assegurar dietas diversificadas e adequadas e condições de vida dignas para que todas as crianças cresçam sem desnutrição — isto é, garantir o direito humano à alimentação adequada na sua plenitude, não apenas o mínimo de sobrevivência”, acrescenta-se no documento.
O país tem avançado na redução da insegurança alimentar, mas a desnutrição crónica, especialmente em crianças menores de 5 anos, ainda permanece elevada, afetando 37% deste grupo populacional, de acordo com os dados do Governo divulgados em 2023.
Para enfrentar o problema, foi elaborado a Política e Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (PESAN) 2024-2030, visando integrar esforços multissetoriais para garantir a segurança alimentar e nutricional em todo o país.
O documento lançado em 20 de junho visa “fornecer assistência técnica de qualidade, criar mecanismos para incentivar que os que têm formação técnica e profissional tenham espaço para disseminar o conhecimento aos produtores à sua volta”, acrescentou.
De acordo com a secretária executiva do Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional (SETSAN), ao longo dos últimos 10 anos, a taxa de desnutrição crónica em crianças menores de 5 anos de idade baixou de 43% (2013) para os atuais 37% (2023), níveis considerados ainda muito altos quando comparados com as recomendações da Organização Mundial da Saúde.
Grupos de organizações da sociedade civil no país têm alertado para a urgência no combate à desnutrição infantil em Moçambique, situação agravada por fatores climáticos e de segurança.