Por LUSA
O líder do conglomerado ETG apelou ao Presidente moçambicano para intervir na “saga do feijão bóer”, em que alega estar a ser vítima de “expropriação” de bens e propriedades pela empresa Royal Group Limitada (RGL).
Na carta dirigida ao chefe de Estado moçambicano, com data de 26 de dezembro e à qual a Lusa teve hoje acesso, Maheshkumar Raojibhai Patel começa por felicitar Filipe Nyusi pela “liderança” na recuperação da “reputação” de Moçambique “como porto seguro” para os investidores, após o escândalo das “dívidas ocultas”.
“Mais do que ninguém, saberá como é difícil restaurar uma reputação manchada”, descreve.
O presidente do conglomerado com sede nas Maurícias queixa-se na carta de “acontecimentos extraordinários” que ocorrem há vários meses na localidade portuária de Nacala, província de Nampula, norte de Moçambique, com o “roubo generalizado e expropriação” de propriedades pela RGL com o “uso indevido” de órgãos do Estado, colocando em causa a exportação de produtos agrícolas, nomeadamente feijão bóer com destino à Índia.
“Esta saga contínua acarreta o risco de prejudicar a sorte de muitos milhares de agricultores moçambicanos”, observa, apontando que o processo judicial envolvendo a RGL “tem sido frustrante” e “muitas vezes” sem seguir os respetivos trâmites. Na origem do conflito, já com cerca de 14 meses e sem comentários até ao momento por parte do Governo moçambicano, está a denúncia da RGL, que acusa a ETG e outras empresas que exportam feijão bóer para a Índia — que compra quase toda a produção nacional — pela responsabilidade da denúncia que tinha exportado para aquele país soja geneticamente modificada.
Em outubro de 2022, o Tribunal Provincial de Nampula ordenou a suspensão de todas as exportações da ETG e de outros grupos também acusados pela RGL neste processo. No dia seguinte, o Tribunal Judicial da Província de Nampula concedeu à RGL ordem de penhora de bens da ETG, incluindo imóveis e navios, e congelou as suas contas bancárias.
Entretanto, com uma fiança aplicada pelo tribunal local de 60 milhões de dólares (55,1 milhões de euros), o grupo está a tentar travar o envio para o exterior de uma carga daquele valor em feijão bóer e outros produtos alimentares por parte da RGL, que assumiu a sua posse em Nacala.
“Os acontecimentos recentes agravaram esta questão de uma forma que nunca antes testemunhámos nas nossas operações africanas em mais de 40 anos”, lamenta, na carta, Patel, queixando-se ainda que funcionários do conglomerado em Moçambique foram “detidos e encarcerados sem o devido processo e sem argumentos legítimos”.
“As nossas propriedades foram invadidas com a ajuda das autoridades judiciais e o seu conteúdo está a ser (…) apreendido e levado ilegalmente. É importante notar que estes conteúdos estão em hipoteca de vários bancos e não são propriedade da ETG”, sublinha.
“Em Moçambique, estamos no mercado há mais de 24 anos e historicamente contamos com o apoio do Governo moçambicano, que reconheceu os nossos esforços na melhoria dos agricultores através do fornecimento de uma cadeia de valor global às suas empresas”, aponta ainda, garantindo que o conglomerado desempenha “um papel fundamental na vida de centenas de milhares de agricultores” no país.
“Se a cadeia de valor continuar a ser interrompida, isso terá um grande impacto negativo nos seus meios de subsistência, bem como no setor agrícola da economia moçambicana em geral. A nossa presença em Moçambique resultou no emprego de milhares de pessoas (…) As instalações de processamento da ETG oferecem oportunidades para mais de 1.500 funcionários, a maioria dos quais são mulheres”, explica.
Recorda que os acionistas do conglomerado incluem a japonesa Mitsui, a estatal sul-africana Corporação de Investimento Público, a maior gestora de ativos do continente africano, ou a SABIC, da Arábia Saudita, um dos principais produtores mundiais de fertilizantes.
“Grande parte dos produtos roubados das nossas instalações”, diz, está dado como garantia aos financiadores do conglomerado, incluindo o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Afrexim Bank, IFC, JICA e outros, que estão “profundamente preocupados e entrarão em contacto separadamente” com o Governo.
“Estou convencido de que, dada a sua posição anticorrupção, não pode estar ciente destes acontecimentos e irá perceber os danos que isso pode causar à reputação e aos meios de subsistência de Moçambique”, enfatiza, dirigindo-se a Nyusi e garantindo o “desejo” de evitar a “escalada mediática, diplomática e jurídica” neste processo.
“E procurar a sua intervenção imediata para resolver esta questão e, ao fazê-lo, reduzir o risco do ambiente de investimento e comercial em Moçambique. Acreditamos, também, que partilha a crença de que Moçambique deve deixar claro que é uma jurisdição onde o capital global pode investir e não um país onde os investidores globais perderão o seu capital e serão sujeitos a ameaças e intimidação”, conclui.