Por LUSA
A representante-adjunta em Moçambique da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), Francesca Zuccaro, defendeu hoje ser “prematuro” falar de estabilização e de regresso à normalidade na província de Cabo Delgado, alvo de ataques terroristas, persistindo “necessidade humanitárias urgentes”.
“A situação de segurança continua volátil em alguns distritos de Cabo Delgado e, desde setembro, houve múltiplos ataques que levaram à deslocação forçada de milhares de pessoas nos distritos de Macomia, Mocímboa da Praia e Muidumbe. Algumas áreas destes distritos continuam sem receber qualquer apoio nos últimos anos, uma vez que o acesso permanece um desafio devido à insegurança”, afirma, em comunicado, Francesca Zuccaro.
Por isso, “ainda é prematuro falar de estabilização e de regresso à normalidade em Cabo Delgado”, província do norte de Moçambique em que, refere, “mais de 600.000 pessoas continuam deslocadas, enquanto 540.000 voltaram às áreas de origem”.
“A maioria presenciou e/ou viveu situações de violência extrema, e foi forçada a deslocar-se várias vezes ao longo dos últimos anos. Esta situação teve, e continua a ter, um impacto significativo na saúde mental da maioria das famílias em Cabo Delgado, sendo que muitas ainda vivem com medo”, sublinha.
Embora “algumas famílias anteriormente deslocadas tenham regressado às zonas de origem”, a responsável da MSF afirma isso “não significa que estejam e se sintam seguras” e que mesmo entre aquelas que regressaram às áreas de origem, “muitas estão a ser forçadas a fugir novamente”.
Em concreto, aponta que cerca de 500 famílias, num total que ronda 1.500 pessoas, que tinham regressado em junho às casas delas na aldeia de Novo Cabo, em Macomia, “foram deslocadas novamente em novembro devido a ataques”, citando dados da A Organização Internacional para as Migrações (OIM).
“Estas famílias regressaram ao mesmo assentamento de deslocados onde tinham vivido durante mais de dois anos, e de onde tinham saído em junho para voltar às suas casas. A MSF apoiou estas famílias com bens de primeira necessidade, cuidados de saúde e saúde mental, e atividades de água e saneamento”, acrescenta Francesca Zuccaro.
Reconhece igualmente que o acesso a cuidados de saúde permanece “um desafio nas zonas de deslocação e nas zonas de regresso”, tendo em conta que “a maioria das infraestruturas foi e continua destruída”, dando como exemplo Macomia e Mocímboa da Praia, onde dos 14 centros de saúde que existiam antes do conflito, apenas cinco estão a funcionar.
“É crucial manter, e aumentar, a assistência humanitária para dar resposta às necessidades urgentes de milhares de famílias que continuam a ser afetadas pelo conflito no norte de Moçambique. Ao mesmo tempo, é fundamental realizar ações de desenvolvimento a longo prazo, e reabilitar infraestruturas de saúde destruídas durante este conflito”, conclui a representante-adjunta da MSF.
A província de Cabo Delgado enfrenta há seis anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico, que levou a uma resposta militar desde julho de 2021, com apoio do Ruanda e da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás.
O conflito já fez um milhão de deslocados, de acordo com dados das agências das Nações Unidas, e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, pediu em novembro “decisões” sobre a capacidade de resposta das Forças Armadas em Cabo Delgado, nomeadamente com reservistas, tendo em conta a prevista retirada das forças estrangeiras que apoiam no terreno contra os grupos terroristas em julho de 2024.
“Decisões concretas sobre a capacidade de resposta das Forças Armadas em relação à sua ação no combate ao terrorismo em Cabo Delgado no período após a retirada das forças amigas da SAMIM (missão da SADC em Moçambique) e do Ruanda”, pediu Nyusi, na abertura do XXIV Conselho Coordenador do Ministério da Defesa Nacional.