Por LUSA
Enquanto centenas continuam a chegar diariamente à vila moçambicana de Chiúre, sul de Cabo Delgado, em fuga aos ataques terroristas, Helena Jaime faz o caminho contrário para ir buscar a família, acolhendo já mais de 50 em casa.
“Lá na minha casa está cheio de pessoas. Eu agora não tenho nada para dar. Essa minha comida que eu tinha já acabou”, desabafa, em conversa com a Lusa, junto à estrada, a poucos quilómetros da entrada na vila de Chiúre.
Regressa a casa, mais uma vez em poucos dias, a acompanhar mais familiares que chegam em fuga aos ataques e mortes por grupos insurgentes que se multiplicam em vários postos administrativos nos arredores da vila de Chiúre, que ainda escapa à violência da última semana.
São pelo menos três dias a pé desde a aldeia 25 de Setembro, no posto administrativo de Chiúre Velho, palco de ataques com mortos, casas queimadas e violência. Chegam, em fila, estrada fora, com o pouco que conseguiram recolher à cabeça e as crianças ao colo.
“Sinto muito pelas minhas famílias, atacaram lá esses malfeitores, entraram lá e estão lá”, explica.
Helena Jaime vai buscar a meio do caminho os que são da família para os receber na sua casa em Chiúre.
“Já chegou a cerca de 30 crianças, adultos cerca de 20. Estou a tentar alugar casa para dar à minha família, emprestar”, conta ainda, num exemplo que se repete por toda a vila.
Em Chiúre, onde antes dos ataques terroristas havia 75 mil habitantes, estão já cerca de 13.000 deslocados nos campos de reassentamento espalhados pelas três escolas, segundo números da autarquia, mas muitos mais estão a ser acolhidos em casas de familiares, como Helena, que aos 26 anos vive da machamba (terreno cultivado) no campo.
“A machamba não chega para essa família que tenho. Essa mandioca seca que eu tinha, acabou”, lamenta.
Ainda assim, pela família continua a recebê-los em casa: “Vieram sem nada. Nem sequer os documentos deles”.
“Precisamos de ajuda”, remata.
Após vários meses de relativo regresso à normalidade nos distritos afetados pela violência armada, a província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, tem registado há algumas semanas novas movimentações e ataques de grupos rebeldes, provocando novas vagas de deslocados, sobretudo.
Na quinta-feira, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, disse, numa visita a Cabo Delgado, que as novas incursões rebeldes resultam de tentativas de grupos armados de recrutar novos membros, considerando que no mês passado a província registou “muita movimentação de terroristas”.
“Eles não conseguem mais fazer recrutamentos nesta província por muitas razões, a consciência (das populações) e então eles querem ver se furam para trazer outros membros para aqui. Eles queriam levar crianças e jovens e não foram felizes”, declarou Filipe Nyusi, momentos após orientar uma reunião do Governo em Pemba, capital provincial.
O primeiro-ministro de Moçambique, Adriano Maleiane, admitiu, entretanto, a necessidade de apoio adicional a Cabo Delgado face à fuga de dezenas de pessoas devido aos novos ataques registados naquela província, situação que está a criar “problemas de alimentação”.
A nova vaga de violência armada na província de Cabo Delgado dominou hoje os discursos de reinício das sessões plenárias do parlamento, com a oposição exigindo que o executivo encontre mecanismos de diálogo com os insurgentes.
O grupo extremista Estado Islâmico (EI) reivindicou nas últimas semanas vários ataques e vítimas mortais, sobretudo no sul da província de Cabo Delgado.
A província enfrenta há seis anos alguns ataques reivindicados pelo EI, o que levou a uma resposta militar desde julho de 2021, com apoio do Ruanda e da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos do gás.