Por LUSA
A população da Guiné-Bissau está praticamente sem pão desde terça-feira, quando esperava comprar este bem mais barato com a entrada em vigor da redução decidida pelo Governo para atenuar o custo de vida no país africano.
Os fornos dos padeiros tradicionais, onde é cozido o produto mais consumido pela população, o chamado pão kuduro, não trabalharam e as padarias industriais não conseguiram dar resposta ao aumento da procura. O Governo e a associação de representantes dos padeiros falam em “boicote” e avisam que o acordo para a redução do preço do pão e da farinha é para cumprir, com ameaça de penalização para quem desrespeitar a determinação. A medida de baixar o preço do pão de 200 (0,30 euros) para 150 francos cfa (0,22 euros) e a farinha de 29.000 (44 euros), o saco de 50 quilos, para 24.600 (37 euros) foi tomada, em 12 de setembro, em Conselho de Ministros para vigorar a partir de 24 de setembro. Com as comemorações dos 50 anos da independência e do feriado de segunda-feira só agora ficou visível o impacto da medida, com o presidente da Associação dos Consumidores de Bens e Serviços da Guiné-Bissau (ACOBES), Bambo Sanha, a falar num “boicote que surpreendeu toda a gente”. “Não há pão em Bissau”, desabafou à Lusa Fátima Sanha, que aguardava na Casa do Pão, no bairro Belém, sentada com outras mulheres à espera de ter mais sorte na segunda fornada prestes a sair. Levantou-se “de manhã cedinho, de madrugada” para “conseguir pão”, mas no final da manhã continuava sem alcançar o objetivo e sem conseguir matéria-prima para as sandes que vende e que são o sustento da família. “Como é que eu vou comer? Não sei” continua, perguntando-se “que medida vai tomar o Governo” porque o povo não pode ficar assim, “nessa penitência”. Pedro Cobdé Nhanque é o responsável pela Casa do Pão e atribui a falta do produto à “greve dos padeiros” que estão contra a redução do preço que, defende, só traz benefícios à população pois “faz com que toda a gente tenha acesso a comprar”. Neste estabelecimento é possível comprar pão a 75 (0,11 euros) e 100 francos cfa (0,15 euros) e era dos poucos sítios onde era possível comprar este bem, como realçou Júlio Tcherno Embana. Desde as cinco da madrugada que espera para comprar pão e reclama que o que era preciso era haver mais sítios para comprar o chamado pão de máquina. “O pão “kuduro” é que chega a todos, infelizmente como eles (os padeiros) estão em greve, a população não tem. O que vai havendo é o pão de máquina que não chega para tanta gente”, observa. Mas mesmo nos estabelecimentos com pão de máquina, a espera era a mesma, com pessoas encostadas aos balcões vazios, a aguardarem aas entregas a conta-gotas das sucessivas fornadas. Edilsa Costa esperou e conseguiu levar pão para resolver “o problema com os lanches em casa e para a escola dos miúdos”. O vice-presidente da Associação de Padeiros Tradicionais da Guiné-Bissau, Mamadu Camará, garante à Lusa que esta organização não convocou qualquer greve e atribui a paragem a “grupinhos” que tentam “alterar a ordem do Governo” e que considera “ilegais”. O dirigente indica que houve “padeiros que não trabalharam porque não havia farinha no mercado”, mas afiança que na terça-feira “já começou a chegar ao porto de Bissau”, o que permitirá “retomar a atividade” a partir de hoje. O vice-presidente apela ainda “a todos os associados para respeitarem este acordo porque é decisão do Governo” e pede a quem tiver dúvidas ou vir os lucros afetados para que se dirija à associação porque “há direito a recurso”. A paralisação no setor do pão surpreendeu o ministro do Comércio, João Handem Júnior, que, no dia 24 fez “uma reunião de emergência” com a associação dos padeiros, como disse à Lusa. De acordo com o governante, primeiro disseram que havia dificuldades porque a lenha estava muito cara, depois que um grupo decidiu fazer uma greve, ainda que não receberam farinha do importador, depois já eram os intermediários, os grossistas. “Eu comecei a ver que aquilo era uma trapalhada, então simplesmente disse-lhes aquilo que está lei: todos aqueles que comprovarmos que têm farinha na padaria e não produzem o pão, a licença será cassada e a farinha confiscada. E com os intermediários, se não nos derem uma explicação por que é que não distribuíram a farinha, vai-lhes acontecer o mesmo”, afirmou. O governante explicou que “as padarias tradicionais na Guiné-Bissau estão dominadas por cidadãos estrangeiros, nomeadamente da vizinha Guiné-Conacri”. “Eles estão claramente a desafiar o Estado da Guiné-Bissau, não sabemos por que razões”, considerou. O ministro entende que também há “um bocado ignorância” na reação, pois considera que os padeiros “não perceberam o que é a compensação” prometida no acordo. Segundo explicou, a “diferença entre o preço anterior e o atual será compensada em dinheiro ou em farinha”. Adiantou que estão a ser desembarcados em Bissau “160 contentores de farinha na nova estrutura de custos de pão”, que vai ser distribuída pelos padeiros. “Naturalmente as coisas vão entrar nos eixos”, declarou, considerando que “a situação vai ficar mais aliviada”, embora admita que não é possível dizer quando ficará resolvida.