Por LUSA
O presidente do parlamento da Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira, acusou Portugal de se deixar usar pelo chefe de Estado guineense, Umaro Sissoco Embaló, “em vez de contribuir para o reforço da estabilidade, para a construção de instituições democráticas”.
“Volta e meia, por tuta e meia, o Presidente (Sissoco Embaló) evoca conversas com (o Presidente da República de Portugal) Marcelo Rebelo de Sousa, com o primeiro-ministro António Costa e com outras autoridades (portuguesas). E fá-lo com o intuito de evocar algum paralelismo com aquilo que acontece em Portugal e que, portanto, se é normal em Portugal, é normal na Guiné-Bissau”, afirmou Simões Pereira, em entrevista telefónica à agência Lusa, feita a partir de Lisboa.
“Quando (…) as autoridades portuguesas ouvem essa menção e não fazem questão de denunciar e de se distanciar dessa realidade, tornam-se cúmplices daquilo que está a acontecer neste momento” na Guiné-Bissau, acrescentou.
Domingos Simões Pereira destacou a recente decisão de Umaro Sissoco Embaló de dissolver o parlamento guineense, a pretexto de uma alegada tentativa de golpe de Estado.
Considerada inconstitucional e sem valor jurídico por constitucionalistas, Sissoco Embaló disse, em privado e em público, segundo afirmou Simões Pereira à Lusa, que tem pareceres do Supremo Tribunal de Justiça, da Faculdade de Direito de Bissau e de Marcelo Rebelo de Sousa que validam a sua decisão.
“(Sissoco Embaló) disse que tinha tido uma conversa com o Marcelo. Nós deduzimos que se referia ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Não tenho a perceção, mas tenho a certeza que ele se referia ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa dizendo que este artigo se aplica em condições de normalidade, o que significa que, produzindo-se uma situação de anormalidade, ele sentia-se no poder e devidamente investido de condições para poder fazê-lo”, detalhou o presidente do parlamento guineense.
Domingos Simões Pereira referia-se ao artigo 94.º da Constituição guineense que proíbe expressamente a dissolução do parlamento antes de passados 12 meses sobre a sua eleição.
A Guiné-Bissau realizou eleições legislativas em 04 de junho passado.
Questionado a desenvolver a acusação relativamente ao que considera ser a recorrente ingerência das autoridades portuguesas no seu país, Domingos Simões Pereira relatou o encontro que teve em maio de 2021 com Marcelo Rebelo de Sousa em Bissau, por ocasião de uma visita oficial do chefe de Estado português.
“Aquando da visita do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, ele recebeu-me na Embaixada de Portugal, dizendo, chamando a atenção, que ele não vinha imiscuir-se nos assuntos internos da Guiné-Bissau. Numa altura bastante crítica para a situação política interna, eu chamei-lhe a atenção que Portugal não é um país qualquer para a Guiné-Bissau. A presença das autoridades portuguesas na Guiné-Bissau dá um sinal de credibilidade, dá um sinal de aval àquilo que é a atuação das entidades que vêm recebendo essas autoridades”, recordou.
Depois, mais recentemente (no passado dia 16 de novembro), Marcelo Rebelo de Sousa regressou à Guiné-Bissau, acompanhado pelo primeiro-ministro, António Costa, para participar nas celebrações promovidas pela Presidência guineense do 50.º aniversário da independência.
“O Presidente da República de Portugal visita a Guiné-Bissau e à chegada diz: nós temos uma Constituição similar à da Guiné-Bissau. Tem uma Constituição de alguma forma similar à Constituição de Portugal, mas de cariz da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental). O que é isso? Uma Constituição de cariz da CEDEAO?”, questionou Simões Pereira.
“Ou seja, estava a abrir espaço para deixar as pessoas admitirem que, apesar de a nossa Constituição ter um fundo paralelo à Constituição portuguesa, a sua interpretação não deve ser tão linear porque se baseia noutros princípios que podem não ser necessariamente os portugueses”, acrescentou.
“Foi muito mau e eu fiz questão de assinalar isso ao Presidente da República de Portugal, deixando bem claro todo o respeito que eu tenho pela entidade que é, pelo cargo que exerce, pelo povo português, pelas autoridades portuguesas e pela grande amizade que eu tenho por Portugal”, frisou Simões Pereira.
“Eu não posso admitir que vivendo esta situação que já é tida como crónica em termos de instabilidade, Portugal, em vez de contribuir para o reforço da estabilidade, para a construção de instituições democráticas, deixe-se usar para este tipo de menções, que realmente nos arrastam”, vincou.
A agência Lusa contactou a Presidência da República da Guiné-Bissau para obter uma reação às afirmações de Simões Pereira, mas a fonte escusou-se a comentar.