Por LUSA
O sociólogo e ex-governante guineense Huco Monteiro considera que a Guiné-Bissau continua “à procura de um caminho de reconciliação” e de um projeto comum que mobilize para a construção da pátria sonhada por Amílcar Cabral.
“Amílcar Cabral prometia uma pátria de paz e progresso, uma pátria próspera onde as populações vivessem bem”, disse, em entrevista à Lusa, 50 anos após a proclamação da independência (24 de setembro de 1973) e do seu reconhecimento por Portugal (10 de setembro de 1974).
Esse projeto implica “que a escola que funciona é de qualidade, é ter acesso à saúde, o que implica ter centros de saúde, programas de saúde, acesso a vacinação, combate ao paludismo, etc., e ter boas estradas, conectividade do país, a melhoria da produção agrícola, a transformação do país”, declarou.
João José Silva Monteiro (Huco Monteiro) é presidente da universidade privada Colinas do Boé, depois de ter exercido funções governamentais (foi ministro da Educação e dos Negócios Estrangeiros) e em organizações internacionais (foi Comissário para os Recursos Humanos da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, CEDEAO), tendo hoje um olhar crítico do percurso feito nos últimos 50 anos.
“Essa parte de transformação do país iniciámos em 74, quando assumimos a independência totalmente. Foi um período paradoxal. Por um lado, muito empreendimento, uma agenda transformadora e, por outro lado, aquele vício, aquela tara da violência que veio estragar tudo”, afirmou.
“Nós que tomámos o poder fomos muito violentos em relação àqueles que, por alguma razão, real ou imaginária, pensávamos que estavam com os portugueses, defenderam os portugueses, (tinham) massacrado as populações”, salientou.
Para o sociólogo, lamentavelmente, esse percurso perdurou, com cada grupo que chega ao poder a exercer violência contra outro grupo.
“Enfim, estamos à procura de um caminho de reconciliação, de coligir todas as forças, energias e competências disponíveis, ter um projeto comum que nos irmane, que nos mobilize para a construção daquilo que Amílcar Cabral prometia, que era uma pátria de paz e progresso, uma pátria próspera onde as populações vivessem bem”, considerou.
Para Huco Monteiro, a Guiné-Bissau está hoje “a pagar pela impreparação para a independência” tal como aconteceu, sem a ligação a Cabo Verde, pois ambos se compensavam.
“Costumo dizer que a verdadeira pátria de Cabral é Cabo Verde, porque foi em Cabo Verde que se materializou o sonho de Amílcar Cabral”, disse, lembrando que aquele país estava melhor preparado, até pelo acesso ao ensino (o primeiro liceu de Bissau data de 1943).
Numa sociedade colonial “muito estratificada”, com os guineenses rotulados de indígenas, deixando “a maior parte da população sem direitos nenhuns” e sujeita “ao trabalho forçado, a arbitrariedades de toda a espécie”, a rebeldia foi natural, sublinhou.
“Sim, éramos terroristas, porque tínhamos de nos rebelar contra a situação de violência colonial que nós vivíamos”, recordou, salientando que o 25 de Abril representou, em primeiro lugar, o fim da guerra, que trouxe “muito sofrimento a ambas as partes”.
Depois, foi a abertura para a independência e a liberdade coletiva, pois a individual tem “ainda muito caminho para andar”, fruto de Governos que “têm dificuldade em lidar com a liberdade de opinião, os direitos humanos, etc.”, frisou.
Foi, ainda, a abertura do direito à educação para todos os guineenses, sem atender às condições económicas, origem social, credo religioso.
“Nesse aspeto foi bastante positivo e é também o período de inauguração de uma nova maneira de os guineenses lidarem com os portugueses. O fim do ódio”, mesmo se com alguns resquícios, salientou.
“O Estado que construímos nos primeiros anos era um Estado melhor”, na atenção às questões sociais, “mas muito violento, nomeadamente em relação àqueles que eram rotulados de alguma ligação com o poder colonial”, acentuou.
“É impensável nos anos 75, 76, 77 acontecer o que vimos nos últimos anos. Ter a escola primária fechada durante meses? Éramos até capazes de ir prender os professores e obrigá-los a trabalhar, mas deixar crianças durante meses sem escola ou ter escolas que funcionam durante três meses e no final do ano os alunos obtêm uma passagem administrativa, isso é um desinvestimento no futuro, é enganar as pessoas”, lamentou.