Por LUSA
Um grupo de 12 cabo-verdianos denunciou publicamente um caso de alegada burla, em que pagaram para acelerar processos de obtenção de vistos para Portugal e ficaram sem o dinheiro, relataram hoje à Lusa.
Primeiro, fizeram denúncias nas redes sociais, depois, juntaram-se e alguns formalizaram queixa junto da Polícia Judiciária de Assomada, cidade da ilha de Santiago, reclamando ter perdido diferentes valores, alguns até 700 euros.
Um suposto facilitador de processos dizia ter “um amigo que trabalha na Embaixada” para agilizar o tratamento dos papéis, sem ser necessário agendamento, contou Silvana Martins, de 34 anos, que procura ativamente por uma oportunidade em Portugal.
Nada do prometido se mostrou verdadeiro, nem neste caso, nem noutros semelhantes que constituem um dos tipos de burla mais recorrentes na capital cabo-verdiana, Praia.
Justificando-se com “dificuldade em agendar o pedido de visto no site da VFS Global”, empresa que gere os processos, Silvana arriscou e concordou em entregar 80.000 escudos (725 euros) a um intermediário.
Pagou 31.000 escudos (280 euros) em novembro e a outra parte seria paga depois de todo o processo estar concluído.
Além disso, gastou mais 50.000 escudos (453 euros) para “comprar documentos para procura de trabalho em Portugal”, uma das vias de acesso ao visto.
Três meses depois e sem novidades, Silvana pediu os documentos e o dinheiro, mas não obteve resposta — conseguiu apenas recuperar o passaporte — e o desespero levou-a a queixar-se nas redes sociais, divulgando as conversas e as fotos do intermediário, e depois à PJ.
Após o relato no Facebook, outras pessoas entraram em contacto com a denunciante, com casos semelhantes, e resolveram criar um grupo naquela rede, com 12 pessoas.
Sofia da Veiga, de 28 anos, da mesma cidade, contou que em conversas particulares recebeu referências do mesmo facilitador, para ultrapassar um processo “difícil” de acesso ao visto e assim reencontrar-se com o marido, que já vive em Portugal.
“Falei com o meu marido e ele enviou-me o dinheiro (80.000 escudos, 725 euros), porque queria muito que vivêssemos juntos”, descreveu.
Entregou dinheiro e documentos em dezembro, mas também só conseguiu recuperar o passaporte.
Ivanilson Varela, de 37 anos, residente em Saltos Abaixo, quer emigrar para se juntar com a namorada, grávida do seu filho, que deverá nascer em Portugal.
“Faltam condições para se viver em Cabo Verde”, justificou, cenário que o levou a procurar um suposto facilitador para tratar do processo de obtenção de vistos, disse.
“Portugal não é um mar de rosas, mas quero uma vida melhor. Eu ganho um salário mínimo e pago uma renda de casa de 13.000 escudos (117 euros, pouco abaixo do salário mínimo) e não dá para mais nada”, referiu outra queixosa, Edna Furtado, de 37 anos, da cidade da Praia.
Queixa-se de “angústia, ansiedade e desespero”, optando por um meio que reconhece ser ilegal para evitar “o stress” do site da VFS.
Contactada pela Lusa, a Policia Judiciária confirmou haver investigações em curso, mas alegou segredo de justiça para não prestar mais informações — nem sobre este, nem sobre outros casos.
As queixas por burla para obter vistos para Portugal são recorrentes em Cabo Verde, onde, paralelamente, funciona uma rede (pessoas e escritórios) que faz negócio a açambarcar senhas de agendamento dos pedidos de visto, que são obtidas gratuitamente na Internet.
As vagas são depois revendidas ao público como parte de um conjunto de serviços para apoio à emissão de vistos — que também inclui a obtenção de documentos e outros requisitos.
Portugal tem apelado à denúncia de todo o tipo de casos e fonte diplomática disse à Lusa que a representação portuguesa tem colaborado com as polícias cabo-verdianas para que as investigações avancem.
Ao mesmo tempo, a capacidade de atendimento dos pedidos de visto tem crescido, para tentar acompanhar o aumento da procura, e tem sido divulgada informação sobre como funciona o processo, acreditando que muitas pessoas seguem vias irregulares por mera falta de informação.
Em 2023, a secção consular da embaixada de Cabo Verde emitiu 12.644 vistos, de um total de 13.520 pedidos recebidos – mais de 5.000 de estudo e mais de 6.000 de trabalho.
Os valores ultrapassam o somatório de vistos concedidos nos dois anos anteriores e há cinco anos que se regista um crescimento sustentado de emissão de vistos de cerca de 30% ao ano.