Por LUSA
Nivaldo Santos, 29 anos, está atrás da única banca servida por homens no Mercado Municipal da Praia, Cabo Verde, a do talho, numa área que, ao contrário da política, é dominada por mulheres.
O domínio masculino na política voltou a ser tema de discussão nas últimas semanas, depois de o Movimento pela Democracia (MpD), partido no Governo, ter apresentado os cabeças de lista às eleições autárquicas, sem uma única mulher.
No mercado é ao contrário, mas é mais por tradição familiar do que por progresso igualitário, explica Nivaldo.
“O meu pai vende, a minha avó já vendia e os meus tios também. É da família”, descreve, enquanto corta um naco de carne de vaca.
No mercado, na política, “em todos os lugares, as mulheres são importantes, tanto como o homem, somos todos iguais. Se uma mulher tem potencial, ela deve ir longe”, refere, mas nas bancas, os testemunhos mostram que a família é a mais forte influência.
“Quando era menina, vinha para o mercado, nas férias da escola, ajudar a minha mãe, enquanto o meu irmão ia com o meu pai”, conta Janice Varela, 29 anos, à frente de uma banca colorida com pirâmides de tomate, couves, cebolas e outros legumes.
Hoje, as mulheres cabo-verdianas têm tantas oportunidades como os homens, diz, mas “há tradições” que prevalecem “e, por isso, encontramos mais mulheres que homens” no mercado.
“Fiquei no lugar da minha mãe, que já morreu”, conta Bebé, o nome com que se apresenta à frente de produtos de bem-estar — ervas para infusões, óleos para massagens, argilas ou enxofre, um cabaz de sítios tão diversos como Portugal ou o vulcão da ilha do Fogo.
Do outro lado da rua, oposta ao Mercado Municipal da Praia, funcionam vários ministérios e departamentos públicos e Bebé sabe que há “uma ministra da Saúde, uma ministra da Educação e há a Janira”, numa alusão à deputada, ex-governante e ex-líder do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), hoje oposição.
Bebé acertou ao indicar a ministra da Saúde (Filomena Gonçalves), falhou na Educação (a tutela está entregue a Amadeu Cruz), mas terminou a lista de forma certeira, acrescentando que também há mulheres presidentes.
“Lá na Assomada, tem uma mulher que é presidente da Câmara”, disse, referindo-se a Jassira Monteiro, líder do município de Santa Catarina, que ficou fora das listas anunciadas pelo MpD – animando o debate sobre género, no mês da mulher (dia internacional a 08 de março, dia nacional a 27).
Inês Moreira, 57 anos, com cinco filhos criados, recorre também às tradições para explicar o que se passa.
“A maior parte das mulheres de Cabo Verde é mãe e pai. Tem de pôr o pão na mesa para os filhos, tratar da casa, ir à escola. É por isso que não tem como ir para a política”, refere.
A tradição é como um muro para Zani Lopes, 43 anos, que acha que já não tem acesso a novas oportunidades: “não tenho escola para trabalhar (noutro local) e os empregos são poucos. Comecei aqui com a minha mãe, desde pequenote, gostei e fiquei para sempre. Mas desejo que as minhas filhas tenham outo emprego, só a mãe é que fica no mercado”.
Há falta de emprego, “sem dúvida, mas também é a mulher que escolhe trabalhar (no mercado) por conta própria”, porque ganha uma autonomia que orgulha qualquer ‘rabidante’ (termo crioulo para vendedora) que se oiça e que pode ser a semente para a emancipação de novas gerações — assim haja mercado de trabalho.
Ao lado, Lenira Moreira, 36 anos, dá o exemplo de outras vendedoras “com o 12.º ano ou formação nalgumas áreas”, que continuam no mercado por falta de oportunidades.
“Sim”, diz que há igualdade entre homens e mulheres em Cabo Verde, mas “ainda não chega”.
O primeiro-ministro cabo-verdiano e líder do MpD, Ulisses Correia e Silva, reconheceu no início do mês que é preciso combater desigualdades de género na política.
“Temos (mulheres) no parlamento e noutros órgãos, mas temos ainda combates a fazer. Gostaria de ter mais mulheres candidatas, mulheres que consigam não só representar, mas vencer as eleições e governar bem. Esperamos que nas próximas eleições possamos estar mais bem cotados nessa aérea”, concluiu.