Por LUSA
Órfãos das vítimas de 27 de Maio de 1977 denunciaram hoje “erros grosseiros” e “falta de transparência” da comissão angolana encarregada da investigação e entrega dos restos mortais das vítimas da alegada tentativa de golpe de Estado.
A Associação Memória 27 de Maio (M27), num vídeo divulgado hoje para assinalar os 47 anos desta data, considerou que a investigação para a entrega dos restos mortais das vítimas às respetivas famílias peca por falta de transferência por parte da Comissão angolana para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (Civicop).
“Falta transparência, tanto na edificação das valas comuns como a recolha e análise de provas genéticas, bem como ao apuramento das causas da morte”, refere a associação de órfãos.
Lamenta também a “falta de cuidado com que as ossadas são recolhidas”, citando imagens divulgadas pela Televisão Pública de Angola (TPA), referindo que em Angola “não há meios técnicos para identificar ADN recolhidos a partir de ossos”.
“Trata-se de erros grosseiros que têm de acabar e este órgão tem de aceitar representação familiar nas equipas que trabalham nas valas comuns”, consideram os órfãos do 27 de Maio, pedindo “verdade e transparência” à Civicop.
Angola assinala hoje 47 anos dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977, data da alegada tentativa de golpe de Estado, aparentemente liderada por Nito Alves — ministro da Administração Interna desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 — e que foi violentamente reprimida por ordem do então Presidente angolano, Agostinho Neto, resultando na execução de milhares de pessoas.
Seis dias antes, em 21 de maio, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo paralelamente, o controlo da estação da rádio nacional, ficando conhecido como “fracionistas”.
As tropas leais a Agostinho Neto, com apoio de militares cubanos, acabaram por estabelecer a ordem e prenderem os revoltosos, seguindo-se, depois o que ficou conhecido como “purga”, com a eliminação das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional em vários relatórios sobre o assunto.
No mesmo vídeo, tornado público nas redes sociais, o M27 refere que 47 anos depois os acontecimentos do 27 de Maio “estão finalmente” a ser debatidos na praça pública.
Também para assinalar a data, o presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido na oposição), Adalberto da Costa Júnior, expressou, nas redes sociais, “respeito e tristeza” pelas vítimas, referindo que o dia “convida a refletir sobre a importância histórica e da justiça, honrando aqueles que sofreram e perderam as suas vidas”.
“Continuemos a lutar por um futuro de liberdade, democracia e respeito aos direitos humanos”, referiu o líder da oposição.
A UNITA acusou também a Civicop de “violar os princípios que estiveram na sua origem”. O principal partido da oposição angolana desvinculou-se desta entidade em dezembro do ano passado, na sequência de reportagens exibidas pela TPA que mostravam escavações de sepulturas na Jamba, antigo território da UNITA.
Por seu lado, o Bloco Democrático (BD), sem representação parlamentar, sublinhou a importância “de não esquecer os responsáveis por essas atrocidades, muitos dos quais permanecem vivos e sem qualquer arrependimento público, justificando politicamente suas ações para manter o poder”.
Este partido também criticou a Civicop e propõs “a criação de uma Comissão da Verdade, composta por cidadãos imparciais e em um contexto político democrático, como a única maneira de fazer justiça à memória das vítimas e daqueles que sofreram torturas e tratamentos desumanos”
“Somente assim serão criadas as condições para um perdão efetivo e para garantir que práticas degradantes não voltem a ocorrer”, referiu o BD.
Em 2019, o Presidente angolano, João Lourenço, criou a Civicop, encarregada do plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos, que ocorreram em Angola entre 11 de novembro de 1975 e 04 de abril de 2022, quando terminou a guerra civil, e dois anos depois pediu desculpas às famílias, em nome do Estado angolano.