POR LUSA
Angolanas grávidas, em muitos casos com gestações de risco, sem família e sem contactos no Brasil têm emigrado para a cidade de São Paulo à procura de atendimento médico e acolhimento, segundo as autoridades locais.
Numa entrevista à Lusa, o secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, Carlos Bezerra Júnior, relatou que o número de angolanos, especialmente mulheres grávidas, que emigram para a cidade aumentou nos últimos dois anos, tendência que se deve repetir em 2024.
“Isso acontece em virtude das más condições do serviço de saúde, da dificuldade de acesso de saúde no seu país de origem, para que elas possam ter os seus bebés aqui, na cidade de São Paulo, e a garantia de acesso não apenas ao serviço de saúde para a mãe, mas também a garantia de creche para os seus filhos e os serviços sociais como um todo”, explicou Bezerra Júnior.
O Centro de Acolhida Especial (CAE) para Gestantes e Puérperas – Amparo Maternal, instituição que acolhe 91 mulheres grávidas e puérperas em situação de vulnerabilidade num convénio com a Prefeitura de São Paulo, fornece gratuitamente abrigo provisório e alimentação. Desse total de mulheres acolhidas, quase um terço (28 mulheres) são angolanas, incluindo uma criança.
As imigrantes contaram que viajaram grávidas para o Brasil, sem contactos ou família no país, e também com pouco dinheiro, por terem medo de perder os seus bebés, já que muitas viveram experiências traumáticas em gestações anteriores em Angola.
Lorena Mankulu Zozinia, 38 anos, que morava em Luanda, chegou ao Brasil com nove meses de gestação e contou que teve dois miomas durante a gravidez e uma médica aconselhou-a a viajar para o Brasil, já que a sua saúde e a vida do bebé estavam em risco.
“Viajei grávida de nove meses porque a gravidez não estava boa. Já perdi bebés gémeos por causa do hospital porque [em Angola] o hospital é ruim.
A doutora me fez um papel [para o bebé] nascer fora do país porque estava com mioma (…) Ela me falou para ir ao Brasil porque tratam [as mulheres grávidas] muito bem, se ficasse poderia morrer”, explicou a angolana.
Ao desembarcar no Brasil, à noite, tentou encontrar um hotel que lhe haviam recomendado, mas que não conseguiu encontrar, e acabou por dormir numa igreja evangélica.
Depois foi encaminhada para um centro de atendimento da Prefeitura.
Durante o primeiro atendimento teve um sangramento e foi levada para o hospital.
A sua filha nasceu no Brasil dez dias depois.
O medo de perder o filho também foi o motivo principal que levou Beatriz Sebastião Ventura Diogo, de 45 anos, a deixar Luanda com sete meses de gestação e a viajar para São Paulo, deixando o marido e a família para trás.
Está no país sul-americano há um ano e dois meses.
“Não tinham onde ficar [no Brasil], não tinha mesmo e vim porque estava em risco, como eu já disse, tinha medo de perder o meu bebé.
Se não fosse por ele não estaria aqui porque eu sou muito medrosa, não podia viajar sozinha”, explicou.
A angolana contou que o seu marido procurou informações sobre o serviço de saúde do país sul-americano quando descobriram que ela estava grávida novamente, já que haviam perdido um bebé em Angola aos sete meses de gestação, facto que ela acredita ter acontecido por falta de atendimento médico adequado.
“Como eu estava grávida, já perdi aquela gravidez, do nada fiquei a sangrar e o hospital [em Angola] demorou muito para me atender.
É mesmo o medo que me trouxe até aqui no Brasil para ter o meu bebé.
E o meu bebé está saudável, graças a Deus, porque lá [em Angola] estavam a dizer que podia ser [parto] cesárea e eu tinha muito medo”, acrescentou Nvunzi Albertina Pedro Panzo.
Já a angolana Nvunzi Albertina Pedro Panzo, de 32 anos, que está no Brasil há 6 meses, contou que apesar de a sua gravidez não ser de risco decidiu emigrar devido à situação económica e social de Angola.
Emocionada, contou que deixou a família no país africano e não sabe quando poderá encontrá-los novamente.
“Eu viajei grávida.
Vim cá grávida, deixei a família toda, os meus pais, o marido, todos ficaram.
Vim sozinha.
Quando eu fiquei grávida, na verdade, não queria passar o que os outros foram passando.
Assisti a várias realidades que me deixavam triste [em Angola].
Então, como é o meu primeiro filho, decidi não ter o meu bebé lá.
Preferi vir mesmo [ao Brasil] porque aqui tem histórico de saúde já desenvolvido, diferente de Angola”, concluiu.
Todas as angolanas com quem a Lusa falou disseram que pretendem morar no Brasil e levar a família.
Por enquanto, estão na casa de acolhimento, mas algumas fizeram cursos profissionais para que, quando os seus bebés puderem ficar em creches, possam sair do abrigo e trabalhar.