Por LUSA
As alterações climáticas vão piorar a já difícil situação humanitária na África Austral, onde se situam Angola e Moçambique, alertou hoje a agência da ONU para os Refugiados (ACNUR).
O alerta consta do relatório “No Escape: On the Frontlines of Climate, Conflict and Displacement” (“Sem fuga possível – Na linha da frente do clima, conflitos e deslocações”, em português), que é lançado oficialmente durante a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de 2024 (COP29), que decorre em Baku.
No documento, apresentado na capital azeri pelo alto-comissário do ACNUR, Filippo Grandi, e a refugiada e ativista climática Grace Dorong, salienta-se que a África Austral regista fluxos populacionais complexos provocados por deslocações forçadas, migração voluntária e padrões de mobilidade circular e as alterações climáticas “são suscetíveis de complicar ainda mais esta dinâmica”.
“Os principais corredores, como os que vão do Zimbabué e de Moçambique para a África do Sul, ou da República Democrática do Congo para a Zâmbia, poderão ser palco de tensões acrescidas à medida que os recursos se tornam mais escassos e os movimentos populacionais aumentam””, detalha.
Duas regiões apontadas como críticas no relatório são as do Sahel e a do Corno de África.
O conflito em curso no Sudão deslocou mais de 11 milhões de pessoas, incluindo mais de 2 milhões de pessoas alojadas em países vizinhos, com quase 700 mil dessas pessoas no Chade, segundo dados do mês passado.
“Apesar de ser um dos países mais vulneráveis do mundo às alterações climáticas, o Chade tem mantido as suas portas abertas aos refugiados provenientes do Sudão e de outros países”, destaca.
Acresce que, juntamente com os riscos de segurança que as pessoas enfrentam por parte de grupos armados ao longo da fronteira entre o Sudão e o Chade e o apoio humanitário limitado, os impactos das alterações climáticas estão a exacerbar as já difíceis condições de vida, acentua o ACNUR.
Ao longo das 60 páginas do relatório, há um destaque particular para o Brasil.
O relatório apresenta o Brasil, juntamente com outros 64 países que acolhem refugiados, entre os quais os Camarões, Chade, Nigéria e Sudão do Sul, como tendo no seu território mais de 40% das pessoas que vivem atualmente em situação de deslocação em todo o mundo.
A nível local, a maioria dos campos e acampamentos de refugiados e de deslocados internos na África Oriental, no Corno de África, e na região dos Grandes Lagos enfrenta atualmente uma elevada exposição a riscos climáticos compostos.
Dando ainda como exemplo o Brasil, o relatório recorda que, desde o devastador sismo que atingiu o Haiti em 2010, o Brasil tem vindo a conceder residência humanitária aos cidadãos haitianos que chegam ao país.
“Em 2024, mais de 90 mil cidadãos haitianos viverão no Brasil. A legislação de imigração emitida pelo Brasil em 2017 prevê a concessão de vistos humanitários e de residência temporária para diferentes situações, incluindo ‘calamidade de grandes proporções, catástrofe ambiental'”, sublinha.
O ACNUR chama ainda a atenção para o que sucedeu em maio deste ano quando chuvas devastadoras e inundações no estado brasileiro do Rio Grande do Sul causaram a morte de 181 pessoas, afetando 2,3 milhões de pessoas e deslocando 580 mil indivíduos das suas casas.
“As inundações provocaram prejuízos económicos de milhares de milhões de dólares que levarão muitos anos a reparar”, alerta o ACNUR, que acrescenta que entre as pessoas afetadas contam-se 43 mil refugiados vulneráveis da Venezuela, Haiti e Cuba, que se encontravam em algumas das zonas mais afetadas pelas cheias na região.
Este é o primeiro relatório climático do ACNUR e “explora a intersecção entre o clima e a deslocação, as lacunas no atual financiamento climático, o futuro da proteção jurídica para as pessoas afetadas e a necessidade de investimento em projetos de resiliência em contextos frágeis e afetados por conflitos”.