Por LUSA
Angola viveu em 2023 um ano económico difícil, devido à queda do kwanza e ao aumento do custo de vida, desgastando ainda mais a popularidade do Presidente, que enfrentou uma inédita tentativa de destituição por parte da UNITA.
Embora no plano interno 2023 não tenha sido fácil para o Presidente João Lourenço, no plano externo Angola conseguiu projetar-se num novo palco diplomático, com vários líderes internacionais a manifestarem a vontade de estreitar laços com o país lusófono, inscrevendo Luanda no roteiro das visitas.
As potências mundiais tentam posicionar-se para ganhar — ou manter — influência em Angola, oferecendo investimento em troca do acesso aos recursos do país africano, rico em petróleo e diamantes e que começa agora a explorar também o gás.
Logo no início do ano, ainda com as atenções mediáticas voltadas para a guerra na Ucrânia, parceiros antigos como a China e a Rússia, fizeram-se representar em Angola, através dos seus chefes da diplomacia, Qin Gang e Serguei Lavrov, com objetivos de aprofundamento da cooperação e lembrar os laços de amizade.
Angola – cujo partido no poder desde a independência em 1975, o MPLA, foi apoiado pela então União Soviética na guerra civil que manteve contra a UNITA durante 30 anos — absteve-se inicialmente na ONU de condenar a invasão russa da Ucrânia, mas acabou por votar contra a anexação e tem vindo a apelar à Rússia para pôr fim ao conflito.
Seguiram-se em março a visita dos reis de Espanha, Felipe e Letícia, e do Presidente francês, Emmanuel Macron, enquanto Portugal, esforçando-se por segurar a sua vantagem histórica face a parceiros muito mais poderosos economicamente, enviou uma delegação de alto nível que incluiu o agora cessante primeiro-ministro, Antonio Costa, e três ministros do seu Governo, a culminar num anúncio de reforço da linha de credito e a assinatura de mais de uma dezena de acordos de cooperação.
No segundo semestre, Angola continuou a cativar as atenções mundiais, mudando o foco da Europa para a América do Sul e passaram por Luanda quase na mesma altura os velhos aliados cubanos, na figura de Miguel Díaz-Canel, e brasileiros, com o Presidente Lula da Silva a prometer mais cooperação e investimento.
Os Estados Unidos, financiadores de um dos mais estratégicos projetos em termos de transportes para a Angola, o Corredor do Lobito, bem como de energias renováveis, foram talvez o país mais marcante este ano para Angola.
Luanda recebeu, em setembro, o secretário da Defesa, Lloyed Austin, antes de o próprio Presidente João Lourenço, se encontrar, no mês passado, com o seu homólogo, Joe Biden, na Casa Branca, usufruindo dos dividendos mediáticos garantidos por uma ampla cobertura da imprensa pública.
No entanto, se Angola sobressaiu no plano internacional cativando visitantes ilustres dos vários quadrantes, no plano económico as políticas seguidas pelo executivo de Lourenço foram incapazes de travar a queda do kwanza, que desvalorizou quase 40%, e a subida dos preços dos produtos alimentares, importados na sua maioria.
Para a derrapagem da inflação, cuja meta inicial era ficar entre 8 e 11%, mas em outubro se aproximava já dos 17%, contribuiu também a retirada gradual dos subsídios aos combustíveis medida fortemente impopular e que a má comunicação da equipa governativa contribui para gerar ainda mais descontentamento.
Os protestos terminaram de forma violenta no Huambo, com pelo menos cinco mortes de motoqueiros em confrontos com a polícia, manchando a imagem de Angola que o executivo se tem esforçado por apresentar como um Estado democrático e de direito, atrativo para o investimento.
João Lourenço enfrentou este ano o primeiro pedido de destituição de um Presidente da República, uma iniciativa política da UNITA (maior partido da oposição) sem grandes hipóteses de sucesso, tendo em conta a maioria parlamentar do MPLA, mas que marcou a agenda política do mês de outubro e a ‘rentrée’ parlamentar.
As imagens divulgadas nas redes sociais — já que o Parlamento invocou falta de condições para a não-transmissão televisiva da plenária onde a UNITA quis discutir a moção — mostraram deputados irados, aos gritos de “vergonha”, depois dos colegas da bancada maioritária rejeitarem a criação de uma comissão eventual para discutir o processo de acusação e destituição.
No tradicional discurso sobre o Estado da Nação, dois dias depois, o Presidente angolano insistiu num dissertação de várias horas e muitas páginas, elencando obra feita, incluindo no campo da justiça e combate à corrupção, destacando a recuperação de ativos.
No entanto, Angola continua sem conseguir levar a tribunal Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente angolano, alvo de processos judiciais em vários países, enquanto do processo de alegada corrupção do antigo patrão da Sonangol e ex-vice-presidente da República Manuel Vicente, não mais se ouviu falar.