Por LUSA
A Organização Não-Governamental (ONG) Pathfinder frustrou 126 uniões prematuras em Manica desde 2018, classificando a situação naquela província do centro de Moçambique como preocupante, devido a práticas socioculturais que se perpetuam.
“Sim, é preocupante. A província de Manica é uma das províncias conservadoras, das suas normas socioculturais. Uma das normas socioculturais nocivas que nós sublinhamos é, de facto, a de uniões prematuras”, disse à Lusa o coordenador provincial em Manica daquela ONG, Orlando Ossufo.
Acrescentou que casos de violência e violência baseada no género associados a uniões prematuras são igualmente reportados na província, incluindo a nível sexual e que por vezes “acabam em mutilações” ou morte: “Exatamente porque são questões de enraizamento cultural e social, em que boa parte acredita que, para a resolução dos seus problemas a violência profunda é a solução”.
Desde 2018, a Pathfinder apoiou as autoridades moçambicanas a identificar no terreno e frustrar 126 uniões prematuras, essencialmente nos distritos de Gondola, Macate, Manica e Vanduzi, naquela província, envolvendo raparigas com idades dos 13 aos 18 anos, avançou igualmente.
“Existem normas socioculturais que estão enraizadas na comunidade e que já vêm de décadas, quando uma mulher atinge a menstruação, nos seus 13, 14 anos, para boa parte dessas comunidades, já está pronta para o casamento”, explicou o responsável, destacando que existem zonas onde as uniões prematuras são comparadas a uma “troca de bens, em troca de alguns valores, alguns animais”.
De acordo com a Pathfinder, os homens envolvidos nestas uniões prematuras, ilegais à luz da legislação moçambicana, têm entre 25 e 55 anos. Apesar da resistência comunitária, o trabalho de identificação das vítimas em Manica tem contado com o apoio de professores, líderes comunitários, escolas, autoridades locais e da polícia.
“Estivemos próximos de sete casos que foram a tribunal, no qual três culminaram com condenações, incluindo a prisão”, exemplificou, sobre a situação só no distrito de Gôndola.
Desde outubro de 2019 que Moçambique tem em vigor a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, que elimina uniões maritais envolvendo pessoas com menos de 18 anos, punindo com pena de prisão até 12 anos e multa até dois anos o adulto que se casar com uma criança.
A pena é igualmente extensível a adultos que participarem nos preparativos do noivado e a qualquer adulto que aceitar viver numa união arranjada por outras pessoas, quando tenha conhecimento de que o parceiro tem menos de 18 anos.
As sanções estão igualmente previstas para funcionários públicos, líderes religiosos e líderes tradicionais que celebrarem casamentos envolvendo menores de 18 anos, caso em que o servidor público será condenado a pena de até oito anos de cadeia.
Neste trabalho com as comunidades, Orlando Momade afirma que a Pathfinder tem apostado no diálogo com famílias e maridos, promovendo visitas domiciliárias, a sensibilização sobre questões legais e apoio psicossocial, apesar da resistência que encontram em Manica.
As raparigas resgatadas a estas uniões prematuras são encaminhadas para cuidados médicos, psicológicos e sociais. Algumas regressam à escola, outras são acolhidas em centros especializados onde recebem alimentação, educação e formação para garantir a sua autonomia.
“Existem grupos de referência que fazem parte de quase todas as direções dos distritos, do Governo, incluindo a sociedade civil. Qualquer situação de união prematura frustrada, ficam a monitorizar o paradeiro dessa rapariga e criam todas as condições possíveis para sua reintegração na escola”, concluiu Ossufo.
A Pathfinder trabalha em Moçambique sobretudo na promoção dos direitos e saúde da mulher, tendo, desde 2020, segundo os dados da própria ONG, apoiado a evitar 2.200 gravidezes indesejadas e 1.200 mortes maternas.
Moçambique é o segundo país com mais casos de uniões prematuras na África austral, com 48% das raparigas a casarem antes dos 18 anos e 14% antes dos 15, segundo um recente relatório da ONG Oxfam, que aponta ainda como o décimo país no mundo e o sétimo em África com as taxas mais elevadas destas uniões, apontando como causas fatores como a pobreza, os desastres naturais e a insurgência armada no norte do país.