Por LUSA
O Movimento pela Democracia (MpD, poder) de Cabo Verde anunciou estar a preparar uma queixa à autoridade reguladora contra o jornalista Carlos Santos, da rádio pública, por alegada falta de rigor e isenção face ao partido e ao Governo.
Em causa está o programa “Bom Dia Cabo Verde” em que, segundo o MpD, as intervenções do visado “têm-se caracterizado por muita falta de rigor” e em que “é frequente” o jornalista convidar “pessoas para anular, pôr em causa ou lançar dúvidas sobre os convidados anteriores, quando estes estão próximos do MpD”, lê-se no comunicado do partido.
“Este comportamento não pode ser considerado como exercício do contraditório ou do pluralismo democrático, mas é claramente inserido na sua estratégia global de anular toda e qualquer intervenção na Rádio de Cabo Verde (RCV) favorável ao sistema MpD”, acrescentou.
A RCV “é a estação de informação com maior cobertura nacional” e deve pautar-se “pelo rigor e isenção” postulados na lei, lê-se no documento, segundo o qual está a ser preparada uma participação à Autoridade Reguladora para a Comunicação Social (ARC).
Em concreto, a queixa do partido faz referência ao programa de hoje, referindo que o convidado, o analista António Alte Pinho, “utilizou o espaço para comentar a entrevista concedida pelo líder do MpD”, Ulisses Correia e Silva, no mesmo espaço, no dia anterior, atacando o também primeiro-ministro e mostrando “simpatia por um dos candidatos à liderança do maior partido da oposição”.
No mesmo programa, o partido acusa ainda Carlos Santos de realçar “aspetos negativos dirigidos ao MpD e ao Governo, num propósito claro de deixar que seja essa ideia negativa a perdurar no pensamento dos ouvintes”.
O comunicado é assinado pelo secretário-geral do MpD, Agostinho Lopes, reconhecendo a liberdade de imprensa, mas referindo que um jornalista “não pode apoderar-se da rádio pública para, reiteradamente, escolher a dedo os analistas que de antemão sabe serem contra esta maioria (MpD), legitimamente escolhida pelo povo cabo-verdiano”, no que considerou ser uma “captura de uma instituição democrática para propósitos pouco éticos”.
Contactado pela Lusa, o jornalista Carlos Santos remeteu quaisquer declarações para momento oportuno.
Diretor da RCV por duas vezes, desde 2006, Carlos Santos já presidiu também à Associação dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) e lançou, em 2017, o livro “O Megafone do Poder”, sobre a evolução da comunicação social em Cabo Verde, questionando “fragilidades” das políticas públicas para o setor, por parte de “praticamente todos” os governos, referiu na altura.
Geremias Furtado, presidente da AJOC, disse à Lusa reagir com “espanto” ao comunicado de hoje do MpD.
“É preocupante que um partido político recorra a acusações públicas desta natureza, contra um jornalista com provas dadas, o que pode ser interpretado como uma tentativa de intimidação e condicionamento da liberdade de imprensa”, referiu.
O programa da RCV “tem promovido debates em torno de temas de interesse público, com a presença de convidados que representam diversas visões”, disse, considerando que “criticar a escolha do convidado, sem apresentar evidências concretas de parcialidade, mostra uma incompreensão da prática jornalística e do princípio do contraditório”.
“Qualquer preocupação legítima com a conduta jornalística deve ser encaminhada para as instâncias próprias, neste caso, a ARC e incentivamos o MpD a levar este caso à autoridade reguladora”, antecipando, no entanto, ser “uma queixa sem pernas para andar”.
O presidente da AJOC manifesta “todo o apoio” a Carlos Santos, acrescentando que a associação que representa a classe em Cabo Verde estará atenta “a qualquer tentativa de censura ou coação contra profissionais da comunicação social”.