POR LUSA
A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) disse hoje que o país enfrenta a sua “maior” crise pós-eleitoral e que o processo autárquico “foi inquinado de vícios graves” e apelou à intervenção do Presidente da República, admitindo nova votação.
“Que o senhor Presidente da República faça valer os seus poderes constitucionais, demonstrando, ainda e inequivocamente, que é um elemento agregador para os moçambicanos, nestes momentos cruciais e difíceis que se vivem.
Ademais e lamentavelmente, até aqui, não se ouviu, de nenhum agente político com responsabilidades governativas qualquer comentário consciente relativamente a este pleito e sobretudo suas irregularidades, o que por si só avoluma ainda mais a perceção, cada vez mais assente, de que estas eleições já tinham um vencedor anunciado”, lê-se num comunicado da OAM, assinado pelo bastonário, Carlos Martins.
“Temos de tudo fazer para evitar um banho de sangue”, aponta.
O bastonário diz, no comunicado, que, ao longo do dia de hoje, Moçambique está “a testemunhar episódios de violência extrema em vários pontos” e que “o descrédito” é “sustentado pelo número, por demais elevado, de irregularidades apontadas ao processo eleitoral pelos tribunais distritais, que passam uma mensagem de que o crime e a manipulação compensam em Moçambique”.
A OAM apela igualmente à Frelimo, partido no poder, lembrando que “tem uma enorme responsabilidade histórica acrescida de estabilização do ambiente político em Moçambique, que ao longo dos tempos, tem sabido gerir essas situações, não devendo, por isso e pela carga institucional que carrega, ser visto como uma organização que dificulta o processo democrático, com recurso, para o efeito, às instituições democráticas”.
“Só o assumir desta responsabilidade poderá perpetuar o seu legado histórico, pois e de contrário, reforçará o entendimento dos eleitores e da comunidade internacional de que a nossa democracia é uma farsa”, aponta.
“É imperioso o envolvimento de todas as forças vivas da sociedade, para fazer pontes e encontrarem-se soluções para o conflito eleitoral instalado, a nível nacional.
Exige-se mesmo uma negociação e mecanismos de solução de conflitos que evitem o banho de sangue, ainda que isso represente a repetição do pleito eleitoral”, afirma ainda.
O presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE), Carlos Matsinhe, anunciou na quinta-feira a vitória da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder) em 64 das 65 autarquias do país, enquanto o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceiro maior partido, ganhou apenas na Beira.
A Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), maior partido da oposição, que antes da votação de 11 de outubro controlava oito municípios, dos então 53, reclamou a vitória eleitoral, inclusive na capital, Maputo, mas acabou por perder, segundo os dados da CNE, em todos os municípios.
Desde o dia 11 de outubro que são apontados por observadores, organizações não governamentais, sociedade civil e partidos da oposição várias irregularidades ao processo de contagem de votos, nomeadamente alteração dos dados das atas e editais originais – já reconhecidas por alguns tribunais distritais -, gerando a contestação na rua em todo o país, agravada hoje, dia seguinte ao anúncio dos resultados pela CNE.
“Nota-se um descrédito total dos moçambicanos relativamente aos Órgãos de Administração Eleitoral”, aponta o bastonário, recordando que a OAM tem estado a acompanhar “com particular interesse e acuidade o presente processo eleitoral em curso, tendo inclusive, tomado parte da equipa de observação do mesmo”.
“Esta visão interna e externa do processo, permite-nos constatar que, de acordo com informação colhida e tornada pública e sufragada inclusive em sentenças judiciais, o processo eleitoral foi inquinado de vícios graves que levantam dúvidas sérias e fundadas sobre a liberdade e justeza do mesmo”, afirma Carlos Martins.
Acrescenta que, na quinta-feira, “foi a vez do próprio presidente da CNE, o reverendo Carlos Matsinhe, confessar, quando procedia ao anúncio dos resultados das eleições realizadas há duas semanas, que o processo tinha sido eivado de irregularidades”, as quais “referiu que seriam objecto de investigação”.
“Muita irresponsabilidade, para não dizer mais, uma instituição quase-jurisdicional como a CNE se remeter eternamente ao silêncio durante várias longas noites, para, já talvez com pouco efeito útil, anunciar investigações à partida extemporâneas”, critica ainda.
De acordo com a legislação eleitoral moçambicana, os resultados do escrutínio ainda terão de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional (CC), máximo órgão judicial eleitoral do país.
“Esperamos que o Conselho Constitucional defenda o Estado de Direito Democrático e não abra uma frente de ataque ao nosso jovem constitucionalismo”, apela Carlos Martins, reconhecendo que esta é “a maior crise de sempre” desde a realização das primeiras eleições multipartidárias em Moçambique, em 1994.