Por LUSA
A ex-bastonária da Ordem dos Advogados são-tomenses Celiza Deus Lima denunciou situações de violação de direitos humanos associadas a “corrupção e a impunidade”, que considerou causar “uma acentuada degradação da situação económica e social do país”.
A jurista falava enquanto oradora numa conferência internacional de dois dias organizada, em São Tomé, pela Associação Santomense de Mulheres Juristas em parceria com a Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa, sob o tema “Justiça, Meio Ambiente e Direitos Humanos”.
Celiza Deus Lima considerou que a situação da justiça em São Tomé “é grave, mas na Região Autónoma do Príncipe “assume contornos particularmente preocupantes”, pois “o acesso à Justiça é uma miragem e os direitos e liberdades e garantias dos cidadãos não são acautelados”.
Para a jurista, “apesar dos discursos políticos, não é visível a alteração do panorama atual”.
“Em 49 anos de independência, nenhum juiz fixou residência na ilha do Príncipe e o julgamento naquela parcela do território ocorre esporadicamente”, disse, denunciando situações em que “atos processuais, nomeadamente o primeiro julgamento judicial, têm sido realizados via ‘whatssap'”.
A ex-bastonária da Ordem dos Advogados sublinhou que em São Tomé e Príncipe “a violação dos Direitos Humanos não cinge-se apenas ao setor da Justiça”, apontando que “a descredibilização acentuada das instituições democráticas, a má gestão dos recursos públicos, a corrupção e a impunidade reinantes na sociedade têm conduzido a uma acentuada degradação da situação económica e social do país, com impacto direto ao nível dos Direitos Humanos”.
A jurista centrou parte da sua intervenção nos acontecimentos de 25 de novembro de 2022, sublinhando que “foram executados barbaramente quatro civis no quartel das Forças Armadas”, na sequência de um assalto ao quartel considerado pelas autoridades como tentativa de golpe de Estado.
“Passados que são dois anos após o bárbaro acontecimento, o país precisa de respostas. O país precisa de uma resposta que seja isenta, imparcial, objetiva e justa”, defendeu.
O tribunal de primeira instância remeteu o processo para o Tribunal Militar, o Ministério Público recorreu, mas o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão, cabendo a palavra final ao Tribunal Constitucional, dado o novo recurso apresentado pelo MP, que quer que os militares sejam julgados pelo tribunal comum.
Celiza Deus Lima realçou o papel do MP, defendendo que a instituição “fez tudo o que lhe era exigível” e corroborando que o homicídio dos quatro homens “não era um crime essencialmente militar”.
“Será que haverá um julgamento justo, isento e imparcial? Os arguidos, aqueles que forem considerados culpados serão efetivamente punidos? Os juízes do tribunal militar não estão a agir em causa própria? Alguém acredita que haverá condenação de algum arguido que faz parte deste processo?”, questionou.
E acrescentou: “O tribunal militar não é competente para julgar este caso, por isso o meu apelo vai aos juízes do Tribunal Militar no sentido de se declararem incompetentes e devolverem o processo aos tribunais comuns. Os tribunais comuns não podem ter medo de decidir”.
Segundo a advogada, “nos dias de hoje o Supremo Tribunal de Justiça transformou-se num depósito de processos” e justiça administrativa também exercida pelo STJ “não existe”.
“A denegação de justiça também é violação dos Direitos Humanos. Sem Justiça não há Direitos Humanos”, vincou.
Além das questões da justiça, a advogada sublinhou que “uma parcela considerável da população (são-tomense) não tem acesso à água e muitos à água potável” e “o país continua até hoje sem dispor de cuidados de saúde”.
Celiza Deus Lima ressalvou que “nem tudo vai mal” e que “São Tomé e Príncipe tem sido um bom aluno” pela ratificação de vários instrumentos internacionais em várias áreas, nomeadamente proteção das crianças, direitos das mulheres, ambiente, justiça, violência doméstica e outras, apesar de não serem efetivamente implementados.
As declarações da advogada foram proferidas perante a ministra da Justiça, Administração Pública e Direitos Humanos, Ilza Amado Vaz, o ministro dos Negócios Estrangeiros e Comunidades, Gareth Guadalupe, e o Presidente do Tribunal Constitucional, Roberto Raposo, que não reagiram.