Por LUSA
O investigador António Duarte Silva defende, em entrevista à agência Lusa, que Amílcar Cabral e o PAIGC foram “fontes principais do direito internacional das descolonizações tardias” e “agentes determinantes do fim do império colonial português”.
No livro “Amílcar Cabral e o fim do império”, António Duarte Silva considera que o dirigente guineense se destacou pelo modo como definiu e enfrentou a luta contra o colonialismo português e a construção da unidade nacional da Guiné-Bissau e Cabo Verde numa perspetiva pan-africana, e ainda pela diplomacia que desenvolveu em África, na Europa, nos países comunistas, nos EUA e, sobretudo, em sessões da ONU e da OUA.
“O PAIGC foi uma criação sua, inicialmente como movimento nacionalista com o objetivo de alcançar, por via pacífica, a independência. Após o desencadeamento da luta armada em 1963, tornou-se o mais importante de todos os movimentos de libertação nacional”, destaca.
A luta de libertação nacional iria conduzir, na Guiné-Bissau, à declaração unilateral de independência, em 24 de setembro de 1973, completada, um ano depois, pelo reconhecimento português e a admissão na ONU, e, em Cabo Verde, a proclamação da independência foi em 05 de julho de 1975, feita por uma Assembleia Nacional Popular controlada pelo PAIGC.
“Mas, em ambos os países, a perspetiva de unificação — unidade na Guiné, unidade em Cabo Verde, unidade da Guiné e Cabo Verde –, trave central do pensamento de Amílcar Cabral e segundo objetivo programático do PAIGC, só durou cinco anos (1975-1980)”, salienta o autor.
“Amílcar Cabral nasceu dividido, mas defendeu sempre a unidade”, sublinha.
António Duarte Silva defende, no livro, que Amílcar Cabral apostava no papel que a pequena burguesia africana, em crescimento e consciencialização, teria como cerne da luta e da independência.
“Foram precisamente, primeiro e em geral, a questão mestiça (na Guiné, mestiços eram os cabo-verdianos) face aos movimentos nacionalistas, depois, em particular, as críticas dos combatentes e as divisões entre as elites guineense e cabo-verdiana as principais causas das maiores crises que o PAIGC atravessou e, a longo prazo, conquistada a independência e o poder, do seu fracasso quanto à construção do Estado-nação na Guiné-Bissau e do fim da unidade Guiné-Cabo Verde”, acrescenta.
Em “Amílcar Cabral e o fim do império”, além de tratar do papel e do lugar de Cabral e do PAIGC na luta de libertação e independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, a descolonização surge “especialmente como modo de formação de um novo Estado e vê a libertação nacional não como uma mera transferência de soberania (descolonização em sentido restrito), sim como uma contestação anticolonial e uma essencial questão de direito, pois que a autodeterminação revelou-se um singular direito à revolução”, afirma.
Quando Amílcar Cabral conclui, em 1961, que o colonialismo português só acabaria à força, embora continue a tentar uma solução pacífica, foi gradualmente preparando a etapa revolucionária.
“Ora, neste início dos anos 1960, a chamada luta de libertação nacional ainda era considerada guerra civil e a ONU não reconhecia a sua legitimidade. Para os movimentos nacionalistas estava em causa uma magna opção estratégica e a via armada — a ‘pior’ alternativa -, foi, no caso colonial português, justificada pela absoluta impossibilidade de qualquer outra via”, defende.
António Duarte Silva sustenta que o assassínio de Cabral “teve como causa principal a questão da unidade Guiné-Cabo Verde (se não o princípio, pelo menos a aplicação prática, no desenrolar da luta armada); resultou de uma conspiração ampla, nebulosa e centrada em Conacri; envolveu múltiplos combatentes e militantes guineenses discordantes da linha política do PAIGC; foi executado por um grupo liderado por um ex-membro do Comité Executivo da Luta (do PAIGC) e comandante da marinha de guerra, que acabou por matar Cabral por este ser quem era”.
“A unidade dos povos da Guiné e Cabo Verde sempre fora considerada por Amílcar Cabral uma originalidade com um só paralelo em África: a união do Tanganica e Zanzibar, que, em 1963, formaram a República Unida da Tanzânia”, destaca.
“Amílcar Cabral e o fim do império”, com 488 páginas e editado pela Temas e Debates, chega quinta-feira às livrarias.
António Duarte Silva, licenciado e mestre em Direito, é investigador associado do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.